Até quando?

29-08-2008 20:12

Hoje foi mais um dia de rotina. Acordei, tomei café da manhã, peguei meus pertences e fui para a base. Assim que cheguei, tive duas intercorrências e foi assim no decorrer do dia. Sem pausa para um café no friozinho do mês de agosto...

Voltei para casa, no silêncio do carro comecei a pensar... Com sou abençoada! Dentre tantos salvamentos, quantas intercorrências não acabam em lágrimas, perdas significativas para as família daquelas pessoas das quais tentei de tudo.

Deus é muito maior, sim eu sei. Ele sabe a hora exata de interromper nossa missão.

E qual será a minha? Será que eu estou no lugar que deveria estar? Sim eu amooooo o que eu faço. Pode ser chocante para quem vê de fora mas amo a adrenalina. Amo poder fazer a diferença mesmo que pequena, sei que fiz minha parte.

E você? Faz a sua ou fica lastimando se?

Cheguei em casa... Como sempre, minha mãe a minha espera, conto as novidades que se resumem a: MÃE!!!! Fiz um parto hoje.

Sim, conto só a parte bonita, aquela parte toda relacionada a desencarne e tudo mais, deixo na ambulância no fim de cada caso.

Afinal, ela verá os casos no noticiário...

Enfim, tomei um banho, escolhi a roupa que queria colocar. Hoje é minha folga do hospital então me dei ao luxo de me vestir como menina e ir repor algumas aulas na faculdade. Saindo da faculdade, sou surpreendida por um moleque: "Tia, me dá dinheiro". Eu nunca havia sido assaltada, e ver um piá naquela situação me chocou, qual o limite do ser humano para ir em busca de suas necessidades. Confesso que não pensei nisso na hora. Sei que não devemos reagir. Mas até agora não acredito no que eu respondi. "Tá maluco? Não tenho idade para ser sua tia. O que está pensando que está fazendo?" O piá que depois descobri que se chamava Felipe, estava com roupa de verão em uma noite gelada, com fome. O que eu poderia fazer? Não podia ignorar o fato de que meu namorado viria me buscar com um toddy quentinho e cremoso e ele não havia feito nenhuma refeição decente ao longo do dia. Ele só me disse: "Desculpa tia, mas to com fome." Após ter pago um lanche percebi que "Não é uma questão de escolha, é questão de NECESSIDADE". Completo desespero. E o que mais me surpreendeu foi ele guardar metade do sanduiche e do nescau quentinho para dividir com seu irmão de 6 anos. Nunca esquecerei aqueles minutos silenciosos em que vi o Felipe devorar aquele sanduiche inteiro quando eu lhe entreguei outro para levar para seu irmão... Ele chorou quando nos despedimos e me chamou de anja... rs

Saber que alguém depende de migalhas, que não tem oportunidade de crescer, estudar para sair dessa condição faz nos sentir mesquinhos, pequenos, diante das adversidades da vida.

É só abrir os olhos e olhar para os lados...

A realidade é contrastante. De um lado temos a favela e do outro, a menos de 1km temos o luxo. O pior de tudo é ver a propaganda do governo no intervalo do programa; mais uma prova de que não se importam ou não "veem" o que acontece, mas dizem que estão fazendo pelo povo e para o povo.


Violência demais, chuva não tem mais, corrupção demais, política demais, tristeza demais. O interesse tem demais! Violência demais, fome demais, falta demais, promessa demais, seca demais, chuva não tem mais! 

Eu sempre me pergunto, por quê? Por que quando vemos uma pessoa passando necessidade, precisando de um prato de comida que seja; por que hesitar em ajudar? Por que antes de sentir amor por elas eu sintimos pena, medo, preconceito... Por quê? Não é justo!

E ai eu volto a minha primeira pergunta; Por que eles escolhem isso? Será que elas não pensam? Parece que pedem para morrer... Falta de escolha...?

Não é justo. E é por isso que algumas coisas ficam claras na minha mente quando começo a refletir. Será que a solução para a educação é colocar os filhos nas escolas particulares ou lutar pelo que é nosso por direito e ter uma educação digna, de qualidade e gratuita? Será que os políticos precisam MESMO ganhar salários absurdos enquanto o Brasil é penta campeão em desigualdade social? Será que é justo eu dormir aqui, na minha cama quentinha e confortável enquanto muitas pessoas, familias, são discriminadas e abandonadas nas ruas?